sexta-feira, setembro 10, 2010

Entre Cores




Eles estão me conhecendo antes de serem escritos,
Conceberam-me para discípulo,
Eles me elegeram no partido autoral,
Intitularam-me poetisa.  
Banal,
Deixam-me com tintas e cores nas mãos,
Não sabiam, mas me fizeram ter vida.
Embrulharam-me pra fazer sentido.


Tavares, Cecília.
Recife, 10 de setembro de 2010.


quinta-feira, setembro 09, 2010

Conto 1




Para Judite de Moraes





Amei-te como se fossemos morrer no mesmo dia, na mesma hora que passa. Não contei com o perder, com esse vazio. Não esperava o perfume no silêncio, não imaginei o desassossego. Não sei onde encontrar olhos com tanta exatidão, amor, mas é tarde. Hoje faz frio e essa janela quebrou seus vidros, hoje vai fazer sol, mas sua boca não vai ver. Hoje o meu vermelho perdeu sua cor, meu caminhar não tem aonde chegar. Por fora posso enganar bem, posso fazer minha caminhada, olhar os outros e camuflar o meu vazio, mas é tarde. Não escapei ileso, compreendi que o fim não faz rima com morte. Querida, tenho que aceitar uma xícara no café da manhã, uma fatia de bolo, um lado só da cama. Tenho que aceitar uma passagem de férias, uma poltrona na sala. As rugas. Enxergar sozinho. Querida, (não quero mais ficar aqui, não preciso dizer que essa carta nunca te enviará mensagem alguma), quando você se foi, levou não só o que éramos, mas o que passei o resto da vida procurando voltar a ser. Hoje faríamos 69 anos, lembra? Ainda coloco duas velas. A Vilma se lembra da Vilma?Ela fez sua metade do bolo, creme com avelã, nunca gostei, mas sempre comi o primeiro pedaço, nunca te disse, mas é verdade. Estou muito contente essa manhã, só telefonei duas vezes para os meninos, só lembrei-me de tomar um remédio e sinto os meus pés saindo do chão. Coloquei um recado para Vilma. Lá eu disse que não ficasse triste, não chorasse muito, não desse o teu vestido. Sabe querida, cheirei durante todos esses anos, o pedaço que mais guardava teu cheiro era o lado direito, você sempre usou bastante perfume. Depois de um tempo esse teu cheiro foi o cenário do meu silêncio. Ninguém vai sentir saudade de mim, só a Vilma, talvez à síndica. Nunca faltei uma reunião. Mas cansei de escrever, as pontas dos dedos estão geladas, o frio já consome meus olhos, estamos bem perto de nos ver, desculpe querida, sei que não é a minha hora, mas faz 39 anos que estou adiando esse reencontro.


Souza Moraes.

quarta-feira, setembro 08, 2010

Partilhas



Os ponteiros estão parados. Suas palavras rasgando meus pulsos e ouvidos,seus bilhetes envenenando minha geladeira de vidro,eu muito bem guardada no pote,você muito certo do jornal das seis.Eu  quase grávida do Pedro,você mais sem graça que feriado na terça.Os ponteiros estão sumindo, anônimos para meus olhos. Resolvo cortar sua língua, cortando assim o meu corpo,eu respirando esse maldito vício, você embalando um filho, esse vinho parecendo sangue,eu secando.Esse sorriso quase mórbido,nossos corpos juntados as montes,salvos pelo vinculo. Os abutres rondando pertences, o chaveiro já mudou de porta, e cópia,essa ficou suspensa por esse mês.Nós sucumbimos.Indicativo do perfeito.Pode não ser o seu,mas será o nosso.Pode não ser o Pedro,que é filho do Jorge.Pode não ser Maria,ela veio comigo.Pode constituir um advogado,caso desfeito. Você errou na hora exata,no segundo atrasado,no lançamento errado das palavras.Eu,eu até sinto-me culpada,mas pensando rasteiro,não sinto nada.
Os ponteiros estão voltando ao lugar,eu fico,estou cansada de movimentos bruscos.
Os ponteiros estão errados,eu sei.Falta muito.Sempre falta.

Cecília Tavares
08.09.2010